Vinhos, versos e saudade

Nunca esqueci aquele mar de vida e de sensibilidade que descobri numa tarde, em meio ao sobe e desce de trilhos e ladeiras recheadas de arte. Um ícone de beleza e tradição do teatro a saborear, com olhar meigo e admirador, o ingênuo cantarolar dos meus versos. Eu - infante frente à longa estrada que sabia, ali, percorrida - alimentava sua alma por instantes. Justo aquela, preenchida pela vivência e pela palavra de Mario Quintana, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e outros reis da poesia. Um tanto lisonjeiro, não?

Entre um gole e outro de vinho, me deliciava com a possibilidade de encantar quem já havia me tomado por primeiro, desde que passei pela porta de entrada. A foto pendurada na parede seqüestrou, por muitas vezes, minha atenção... e eu absorvi dali o brilho e sedução que me admirava em conhecer tão de perto! Aqueles olhos, hoje maternais, miravam doces e surpresos o meu rosto e me fizeram re-acreditar que eu era de verdade. Eu e minhas músicas.

O ambiente, decorado com mesas, toalhas finas e flores, era perfumado por carinho, aconchego e alegria. E as delícias produzidas pelas mãos de unhas delicadas e habilidade em alquimia, saciavam a curiosidade gastronômica dos amigos que foram comigo. O violão e o violino de Chico e Isadora, complementavam as notas que soavam em mim. O sarau estava completo, para deleite de todos.

Jamais tamanho prazer e surpresa vão deixar de me habitar, assim como o espanto de perceber que tais momentos foram mais do que mágicos e, sim, únicos.

Nunca mais achei a casa. Sempre que passo por aquela rua, procuro atentamente a janela com a placa indicativa que nos havia atraído “Tortas Especiais” – o nome já dizia tudo. Nunca mais achei a Tânia, restou apenas o doce sonho e a vontade de torná-lo verdade novamente!

(Foto: “À beira dos trilhos”, de César Augusto Carvalho)